Efeito da acupuntura na melhora da dor, sono e qualidade de vida em pacientes fibromiálgicos: estudo preliminar

Fibromialgia (FM) é definida como dor musculoesquelética generalizada e crônica com sensibilidade dolorosa em pelo menos 11 dos 18 tender points. Sintomas associados freqüentes são depressão, ansiedade, distúrbios do sono, entre outros, gerando um grande impacto na qualidade de vida1,2. Afeta principalmente mulheres1. Apesar de inúmeras pesquisas sobre sua relação com distúrbios neurológicos e/ou químicos, a fibromialgia ainda é considerada de etiologia desconhecida, com diagnóstico essencialmente clínico, sendo o tratamento voltado ao controle dos sintomas3,4.

A fisioterapia tem sido utilizada como forma de controle da dor e dos sintomas, com impacto positivo nas atividades diárias. Os exercícios físicos, principalmente aeróbicos de baixa intensidade, auxiliam o relaxamento e fortalecimento muscular, reduzindo a dor e melhorando a qualidade do sono5. Entre os tratamentos disponíveis, as terapias alternativas e complementares são muito utilizadas, com a procura chegando a 98% dos portadores em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos da América6.

Dentre essas terapias encontra-se a acupuntura, que visa o equilíbrio do corpo por meio do estímulo em pontos de acúmulo de energia ao longo de linhas corporais conhecidas como meridianos de acupuntura, na visão clássica. Alguns de seus mecanismos de ação, como a analgesia, são comprovados pela medicina ocidental7.

A hipótese deste estudo é que a acupuntura nos tender points pode melhorar a dor no local e, conseqüentemente, a qualidade de vida; a acupuntura realizada seguindo os princípios da medicina tradicional chinesa pode melhorar a dor e os demais sintomas, já a aplicação respeita a localização de pontos e meridianos. Este estudo teve pois como objetivo verificar a eficácia da acupuntura na melhora da dor, sono e qualidade de vida de pacientes fibromiálgicos.

 

METODOLOGIA

O estudo foi idealizado como um ensaio clínico randomizado, realizado no Ambulatório de Fisioterapia em Fibromialgia do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital das Clínicas e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram selecionadas 20 pacientes do Ambulatório de Reumatologia do HC com diagnóstico de fibromialgia segundo critérios do Colégio Americano de Reumatologia1, sendo randomizadas em dois grupos: o grupo A recebeu acupuntura segundo a medicina tradicional chinesa, com a escolha dos pontos seguindo o diagnóstico próprio da técnica, baseada nas Síndromes dos Zang Fu8; o grupo B recebeu a inserção de agulhas nos seguintes tender points: base do occipital, trapézio, supraespinhoso e epicôndilo lateral, visando a supressão da dor. Foram critérios de inclusão: ter idade entre 35 e 60 anos e ser do sexo feminino; os critérios de exclusão foram: presença de outras doenças reumatológicas, mulheres durante período gestacional, falta a três sessões de terapia consecutivas (caracterizada como "abandono"), fobia às agulhas, coagulopatias e presença de infecções próximas ao local de aplicação das agulhas de acupuntura.

Houve perda amostral. Oito pacientes não completaram o estudo: quatro faltaram a três sessões consecutivas, duas interromperam o tratamento por incompatibilidade de horários, uma por constatar que estava em período gestacional, e uma por apresentar extremo medo de agulhas. Algumas pacientes desejaram prosseguir com atendimento da fisioterapia e foram encaminhadas para o grupo de alongamento do mesmo ambulatório.

Avaliação

A avaliação foi realizada antes e ao final do tratamento por uma fisioterapeuta, treinada na aplicação dos questionários e na dolorimetria, que desconhecia a distribuição das pacientes nos grupos.

A dor foi avaliada por uma escala analógica visual da dor (EVA)9 - uma reta de 10 centímetros de comprimento desprovida de números com as indicações "ausência de dor" e "dor insuportável" nos extremos; e pela dolorimetria, que avalia o limiar de dor dos 18 tender points, utilizando-se o dolorímetro de Fischer (algômetro de pressão)10.

A qualidade de vida foi avaliada pelo Questionário de Impacto da Fibromialgia (QIF) validado para a população brasileira11, no qual o maior escore corresponde ao maior impacto da fibromialgia na qualidade de vida relacionada à saúde.

O sono foi avaliado pelo Inventário do Sono (IS, em versão traduzida e adaptada para o português do original de Bonnet e Webb12); solicita-se ao paciente graduar cada item em uma escala analógica visual, somando-se os pontos para o escore final - que, quanto mais elevado, indica melhor qualidade do sono.

Pacientes do grupo A também foram submetidas ao diagnóstico pulsológico tradicional da medicina tradicional chinesa8, que se caracteriza pela verificação do pulso radial, posicionando inicialmente o terceiro dedo na artéria radial na altura do processo estilóide do rádio e, a seguir, o segundo e o quarto dedos ao lado do terceiro. Ao aplicar diferentes pressões sobre a artéria, é possível sentir o fluxo sangüíneo e, a partir dele, inferir o fluxo energético dos diferentes órgãos do corpo.

Intervenção

Foram utilizadas agulhas de acupuntura (0,30 x 50 mm) descartáveis e estéreis (Dongbang Acupuncture Inc.). No grupo A foi realizado o diagnóstico pulsológico para identificar os órgãos acometidos e determinar os pontos dos meridianos para a inserção de agulhas; cada paciente recebeu tratamento personalizado, em pontos definidos no diagnóstico realizado. No grupo B foram inseridas agulhas nos seguintes tender points bilateralmente: base occipital, trapézio, supraespinhoso e epicôndilo lateral. Para padronização da pesquisa, em ambos os grupos foram inseridas exatamente oito agulhas com uma profundidade de aproximadamente meia polegada em cada ponto, exceto onde a descrição de sua utilização diga o contrário13.

Todas as pacientes permaneceram em decúbito dorsal e foram orientadas a evitar movimentação corporal durante os 25 minutos de permanência com as agulhas. Foram realizadas oito sessões de acupuntura com freqüência de uma vez por semana.

Análise estatística

Os dados demográficos são apresentados de forma descritiva (média e desvio padrão). As variáveis relativas aos sintomas foram comparadas pré e pós-tratamento pelo teste t de Student pareado. Toda a análise estatística foi realizada com 5% de significância.

 

RESULTADOS

A amostra foi composta por 12 mulheres, divididas em dois grupos: grupo A (n=5) com idade 45,6±7,06 anos; e grupo B (n=7), idade 44,28±7,22 anos, sem diferença entre os grupos (p=0,98). Apesar de não estatisticamente significante, é possível perceber heterogeneidade no grau de escolaridade das participantes (Tabela 1) - o que não é relevante no caso, pois sempre que necessário suas dúvidas sobre os questionários eram prontamente esclarecidas.

 

 

A Tabela 2 apresenta as pontuações médias obtidas pela EVA, QIF e Inventário do Sono, antes e após a intervenção. Houve melhora da dor nos dois grupos, porém com diferença estatisticamente significante apenas no grupo B (p=0,012). Em relação ao QIF somente o grupo B apresentou diferença estatisticamente significante nos itens dor (p=0,025), cansaço (p=0,004), ansiedade (p=0,018) e depressão (p=0,021). Quanto ao sono, no grupo A houve diferença estatisticamente significante nos quesitos durante a noite, ao levantar e total (p<0,05). No grupo B, houve melhora em todos os itens (p<0,05) - lembrando que no IS, quanto maior o valor, melhor a qualidade do sono.

A Tabela 3 mostra valores de limiar da dor em cada tender point antes e após o tratamento. No grupo A, apenas o ponto do trapézio apresentou diferença estatisticamente significante (p=0,007); no grupo B, os tender points cervical baixa, trapézio, segunda articulação costocondral e a média dos tender points apresentaram diferença estatisticamente significante (p<0,05).

 

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi verificar a eficácia da acupuntura na melhora da dor, sono e qualidade de vida de pacientes fibromiálgicas. Os resultados apontam para melhora nas variáveis nos dois grupos, porém com melhora acentuada no grupo B, submetido à acupuntura nos tender points. Apesar de o grupo A também apresentar melhora, não foram encontradas diferenças significativas na maioria dos escores, após o tratamento.

Estudos com acupuntura e fibromialgia indicam não haver consenso a respeito do uso e efeito dessa terapia. Segundo Deluze et al.14, o tratamento com a eletro-acupuntura obteve melhora significativa em sete dos oito parâmetros avaliados. Mas Assefi et al.15 não obtiveram diferença significativa entre o grupo submetido a acupuntura e o grupo controle.

Uma revisão sistemática realizada por Mathew et al.16 encontrou apenas cinco artigos, sendo relatados efeitos positivos da acupuntura em três estudos e indiferentes em dois. No presente estudo, também foram encontrados resultados contraditórios, diferentes da hipótese inicial, em que era esperada melhora nos dois grupos, porém com expectativa de melhora acentuada no grupo A, devido à não-dissociação entre mente e corpo, segundo os princípios da energia qi17, conceito que permeia toda a base da medicina tradicional chinesa. No grupo B, era esperada melhora da dor nos tender points onde foi realizada acupuntura, sem efeitos em outros sintomas. Os resultados, porém, apontam resultados contrários, ou seja, a melhora foi mais acentuada no grupo B, inclusive com diminuição da dor em pontos distantes dos puncionados, menor impacto da fibromialgia no dia-a-dia, melhora da dor e da qualidade do sono.

A diminuição do limiar de dor no grupo B, mesmo em pontos onde não foi feita a acupuntura, demonstra o efeito sistêmico da inserção de agulhas, causando alívio da dor mesmo em locais distantes. Cho et al.18 analisaram diversas teorias que utilizaram tomografia com emissão de pósitrons e propõem um modelo de integração no eixo hipotálamo-pituitário-adrenal que, através de transmissores neurais e humorais, promovem ativação de centros corticais, bem como liberação de substâncias antiinflamatórias e analgésicas, promovendo os efeitos encontrados pela estimulação da acupuntura para aliviar a dor.

A qualidade do sono parece estar intimamente ligada a sintomas como a dor crônica, sendo difícil determinar qual desses dois sintomas seria a causa e qual a conseqüência19,20. Como no grupo B não foram puncionados pontos específicos envolvidos com o sono, infere-se que o efeito analgésico obtido, aliado à liberação de substâncias "semelhantes ao ópio" no fluido cérebro-espinhal, conforme visto por Ho et al.21, foram os mediadores responsáveis pelo efeito sistêmico das inserções pontuais em locais de dor, como a melhora de todos os quesitos do questionário do sono.

Ainda no tocante à localização dos pontos, como sugerem Harris et al.22, o local da punção da agulha parece não ser significante, sendo encontrada melhora dos sintomas mesmo com a punção em locais que não são dolorosos nem pertencentes a um meridiano de acupuntura. O mesmo não foi observado no presente estudo, uma vez que o grupo B, que recebeu acupuntura nos tender points, teve melhora mais significativa, enquanto o grupo A apresentou melhora apenas no sono.

Como a dor e os distúrbios do sono interferem diretamente na qualidade de vida23, a melhora desses dois aspectos gerou conseqüente melhora nos valores observados no QIF, com a diminuição do impacto da fibromialgia na vida desses pacientes.

Na medicina tradicional chinesa, cada indivíduo deve ser considerado como único, com suas especificidades e peculiaridades, o que interfere na escolha final dos acupontos. Com base nesse princípio, a não-padronização dos pontos no grupo A foi intencional, a fim de promover o melhor atendimento a cada paciente, de acordo com o quadro apresentado na avaliação inicial.

O número de sujeitos de ambos os grupos foi abaixo do esperado inicialmente, em decorrência do número elevado de pacientes que não continuaram o tratamento. Como não foi efetuado cálculo do tamanho amostral, não se pode afirmar se seria necessário um número maior de indivíduos para obter resultados mais conclusivos.

 

CONCLUSÃO

A acupuntura mostrou-se eficaz na melhora da dor, sono e qualidade de vida nos dois grupos, porém com melhora acentuada no grupo que recebeu acupuntura nos tender points.

 

REFERÊNCIAS

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Autor:

Raymond S. TakiguchiI; Vanessa Satie FukuharaII; Juliana Ferreira SauerIII; Ana AssumpçãoIV; Amélia Pasqual MarquesV

IFisioterapeuta acupunturista
IIFisioterapeuta
IIIFisioterapeuta; mestranda em Ciências da Reabilitação no Fofito/FMUSP
IVFisioterapeuta; doutoranda em Fisiopatologia Experimental na FMUSP
VProfa. Dra. Assoc. do Fofito/FMUSP



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